Legislação |
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Estas duas convenções existem por conta da histórica exclusão das mulheres do reconhecimento legal e conceitual dos direitos humanos. A forte pressão do movimento de mulheres e feminista e de entidades não governamentais obrigou a Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena, ocorrida em 1993, a reconhecer que as mulheres têm direitos específicos e que a violação dos mesmos constitui violação aos direitos humanos.
O Brasil, como signatário de ambas as convenções, assumiu, portanto, perante a Comunidade Internacional e nacional, uma serie de obrigações, dentre as quais o dever de criar mecanismos capazes de coibir a discriminação e a violência de que as mulheres são vítimas.
A Convenção sobre a eliminação de todas as formas de Discriminaçao contra a Mulher (CEDAW)
A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher possibilitou a existência da chamada discriminação positiva, isto é, a adoção de medidas especiais de caráter temporário destinadas a acelerar a igualdade de fato entre homens e mulheres.
O reflexo disto em nossa legislação pode ser visto a partir da previsão constitucional de proteção no mercado de trabalho à mulher, através de incentivos específicos, bem como na legislação que prevê as cotas nos partidos políticos para candidaturas de mulheres, por exemplo.
Com a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, os direitos humanos passaram a ser “universais, interdependentes e inter-relacionados” e, desde então, diversos tratados internacionais passaram a ser adotados pelos países, criando-se, assim, um sistema normativo internacional, no âmbito das Nações Unidas.
Dentre estes diversos tratados, pactos e convenções, surge, em 1979, fruto da mobilização do movimento de mulheres e feminista internacional, a Convenção que visa eliminar e erradicar a discriminação contras as mulheres.
De acordo com a Convenção, discriminação contra a mulher significa “toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objetivo, ou resultado, prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo, exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais nos campos políticos, econômico, social , cultural e civil ou qualquer outro campo” (art. 1º).
Ao ratificar esta Convenção, os Estados-partes assumem um importante compromisso: atuar, progressivamente, no sentido de eliminar todas as formas de discriminação relacionadas com o gênero, obrigando-se a assegurar a efetiva igualdade entre as mulheres e homens; significando dizer que os Estados subscritores terão que criar políticas públicas igualitárias e/ou legislação que proíba qualquer espécie de discriminação contra a mulher.
A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará)
A primeira Convenção, comentada logo acima, a CEDAW, decorre de um sistema global de proteção dos direitos humanos, ou seja, firmada perante a Organização das Nações Unidas, a ONU, que tem jurisdição global. Existe um outro sistema que também visa proteger os direitos humanos, neste caso, no âmbito regional, que é a Organização dos Estados Americanos- a OEA. A Convenção de Belém do Pará, que agora comentamos, se insere nesse sistema regional-especial. Essa convenção foi aprovada em 9 de junho de 1994, pela Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos e foi ratificada pelo Brasil em 27 de novembro de 1995.
Com essa declaração, faz-se um reconhecimento internacional de que não basta legislar contra a discriminação e pela igualdade, mas que a persistência de violência exercidas contra mulheres constitui forte obstáculo ao implemento da isonomia, ao exercício pleno da cidadania, ao desenvolvimento sócio-econômico e à paz social.
A Convenção de Belém do Pará é especialmente cara aos movimentos de mulheres e feminista, pois define a violência contra a mulher como uma violação dos direitos humanos e das liberdades fundamentais e, como tal, limita total ou parcialmente as mulheres de gozarem de seus direitos. Define, portanto, a violência contra a mulher como qualquer ato ou conduta baseada no gênero que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico a pessoa do sexo feminino, tanto na esfera pública quanto na esfera privada. Portanto, as mulheres têm direito a uma vida livre de violência e o Estado deve garantir este direito.
Segundo este entendimento, pela primeira vez na história se admite que a violência cometida contra a mulher, ainda que no âmbito doméstico, interessa à sociedade e ao poder público. Assim sendo, aos Estados-partes dessa convenção são conferidas responsabilidades, dentre as quais a missão de proteger as mulheres da violência perpetrada nos âmbitos público e/ou privado. O foco central dessa convenção é o compromisso do Estado com as tarefas de prevenir, punir e erradicar todas as formas de violência contra a mulher, mediante medidas que possibilitem a investigação, apuração e punição dos violadores, bem como assegurar recursos adequados, suficientes e efetivos para o devido atendimento e compensação às vítimas de violação.
Em seu artigo 8º , prevê medidas a serem adotadas de imediato e outras a serem realizadas progressivamente, na sua maioria, de caráter preventivo, destinadas a evitar a violência contra a mulher. No entanto, caso os Estados não o façam, incorrem em omissão, uma vez que devem fazer relatórios periódicos e demonstrar que medidas ou políticas estão sendo adotadas. Estão sujeitos a serem alvos de petição junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), que, após detida análise, e conferindo aos Estados o direito de se manifestarem, adotam as medidas cabíveis aos casos de omissão.
A Comissão de Direitos Humanos da OEA poderá, quando o caso o exigir, recomendar que o Estado-parte incorpore na sua legislação interna normas penais, civis ou administrativas que sejam necessárias à prevenção, punição ou erradicação da violência contra a mulher, incorporando em sua legislação e políticas internas, a proteção prevista em âmbito internacional.
Existem dois mecanismos de implementação da Convenção de Belém do Pará no âmbito dos Estados. O primeiro se dá mediante relatórios nacionais que os países elaboram no sentido de prestar contas sobre como estão agindo para atender ao que prescreve a convenção; e o segundo é a possibilidade de qualquer pessoa, ou grupo, ou entidade não governamental, legalmente constituída poder apresentar, junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, petição denunciativa de violação do que preceitua esse documento, por parte do Estado. Foi exatamente isso que fizeram Maria da Penha e as organizações não governamentais que a auxiliaram na denúncia contra o Estado brasileiro, no que tange ao não cumprimento das obrigações de adoção de medidas tendentes a coibir a violência contra a mulher, antes do advento da lei que recebeu o seu nome.