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Portugal - Uma justiça da Idade Média? Violador de grávida absolvido
Publicada em 20-05-2011
Uma justiça da Idade Média? Violador de grávida absolvido

Associação Sindical dos Juízes Portugueses

ZOOM Psiquiatra obrigou uma sua doente, deprimida e grávida de 34 semanas, a ter sexo. A Relação do Porto diz que “o desrespeito pela vontade da ofendida” não é “violência”.

Maria José Magalhães Presidente da UMAR, União de Mulheres Alternativa e Resposta

“O Tribunal da Relação do Porto revitimizou a vítima”

A dirigente da UMAR falou à Lusa sobre o polémico acórdão proferido no dia 13 de Abril pelo Tribunal da Relação do Porto.

- Como vê a decisão do Tribunal da Relação?

- “O tribunal da Relação revitimizou a vítima ao absolver num acórdão chocante um psiquiatra acusado de violação”.

- O que fazer nestes casos?

- “A vítima pode contar com a UMAR para dar a ajuda que puder.”

- O facto de ser um médico e uma doente é um agravante?

- “Lamento que a Justiça permita que pessoas que têm poder sobre pacientes, usem esse poder, e não considere violência grave o que se passou.”

- É difícil apresentar queixa?

- “Para uma paciente fazer queixa num quadro em que os custos emocionais são muito grandes, é porque a situação foi realmente muito grave. Portugal vive ainda um quadro de injustificada tolerância face à violação e violência sobre a mulher.”

- Houve outras situações semelhantes?

- “O acórdão não anda muito longe do proferido nos anos 1980 por um tribunal de comarca do Algarve, que absolveu portugueses acusados de violar jovens nórdicas com o argumento de que as raparigas “invadiram uma coutada do macho latino”, sublinhou.

- É exemplo de um caso que se atribui a culpa à vítima?

- “Não quer dizer que seja este o caso concreto, mas em Portugal subsiste uma ideologia ilusória e falsa segundo a qual as vítimas gostam de ser violadas e que, se se queixam, é porque são mentirosas.”

Adriana Vale, com Lusa

Absolvido de violação. Temos uma Justiça da Idade Média?

Ministério Público vai recorrer da decisão que absolveu um psiquiatra por violação de uma doente grávida

ADRIANA VALE adriana. vale@ionline.pt




A procuradoria distrital do Porto confirmou ontem ao i que vai recorrer da decisão do Tribunal da Relação que absolve um médico psiquiatra para o Supremo Tribunal de Justiça.

O caso prometia polémica: um médico psiquiatra violou uma das suas doentes, grávida de 34 semanas e que sofria de uma depressão. O médico foi condenado no tribunal de primeira instância a cinco anos de pena suspensa e ao pagamento de 30 mil euros. Não conformado, recorreu para o Tribunal da Relação do Porto que o absolveu, porque considerou que o acto não foi praticado com muita violência, não se enquadrando na interpretação dada pela juíza às exigências requeridas pelo crime de violação.

Diz o sumário inicial do acórdão que “o simples desrespeito pela vontade da ofendida não pode ser qualificado de violência”. Este desrespeito traduziu-se em obrigar a doente a praticar sexo oral apesar de esta não o ter consentido e, quando esta se dirigia para a porta para sair, empurrá-la para um sofá onde foi consumada a violação.

Sobre estes acontecimentos, a magistrada da Relação considera que há uma contradição entre os factos provados na primeira instância e os que a Relação aceita como prova do que aconteceu. A questão tem que ver com o facto de, em primeira instância, ter ficado assente que o agressor agarrou a vítima pelos cabelos. Mas a Relação descobriu nas declarações” registadas em tribunal que o médico agarrou a doente pela cabeça. Ora para a juíza “não se vislumbra como é possível considerar o acto de agarrar a cabeça como traduzindo o uso da violência de modo a constranger alguém à prática de um acto contra a sua vontade. A não ser que se admitisse que o mero acto de agarrar a cabeça provoca inevitável e automaticamente a abertura da boca”.

Mas as considerações prosseguem para o empurrão e a violação no sofá: “Os factos provados não permitem concluir que, ao empurrar a ofendida contra o sofá, o arguido visou coarctar-lhe a possibilidade de resistência aos seus intentos ou se, com esse acto, pretendeu apenas o arguido concretizar a cópula que de outra forma não conseguiria, dado o avançado estado de gravidez da vítima.”

A magistrada não afasta a “censurabilidade da conduta do arguido em termos deontológicos, éticos e até sociais”, mas, para ser considerado crime de violação, o acto teria de ser praticado de outra forma: “Para que o empurrão na ofendida integrasse o conceito de violência, visado como elemento objectivo do crime de violação, teria de traduzir um ‘plus’ relativamente à força física normalmente utilizada na prática de um acto sexual”. O argumento de que o arguido teria alguma ascendência sobre a vítima, sua doente, porque lhe conhecia as fragilidades, debilidades e constrangimentos são para o Tribunal da Relação considerações que não têm suporte factual, pois estes factos não constam da matéria provada em primeira instância, não podendo por isso fundamentar a decisão da Relação. A decisão registou um voto discordante e a aprovação de dois magistrados judiciais.

ESCÂNDALO Margarida Medina Martins, da Associação das Mulheres contra a Violência, disse ao i que embora desconheça ao texto integral do acórdão e partindo apenas da notícia, a questão da violência durante uma violação deveria ser encarada “como uma agravante” e não com um requisito.”

Esta mulher é “uma sobrevivente de uma violação que teve mais sorte” que algumas vítimas que sofrem violentas agressões. Importa também não esquecer que “o agressor se aproveitou do espaço onde estava e da fragilidade da vítima”.

O médico psiquiatra deveria ter uma formação ética e enquanto profissional tem um escolaridade que lhe aumenta ainda mais a responsabilidade. Para a associação “isto devia ser encarado como um escândalo nacional. Nunca os direitos fundamentais estiveram tão assegurados e consagrados, mas no que diz respeito à Justiça estamos na Idade Média.”

Para Margarida Martins, decisões como estas podem contribuir para dissuadir outras pessoas de apresentar queixas de violação e “há muitas mulheres que acabam por nunca denunciar estes casos. Muitas decisões resultam de tráfico de influências e branqueamento do crime de violação.”

O bastonário da Ordem dos Advogados, António Marinho Pinto, diz que esta decisão “se enquadra na melhor tradição jurisprudencial do macho ibérico”.

A decisão que ficou conhecida por este nome relaciona-se com um caso de violação de duas estrangeiras de férias que, como estavam de mini-saia, o tribunal considerou estarem, a “provocar” o sucedido, considerando que esta atitude arrojada foi tomada “na coutada do macho ibério”, cujas fronteiras o acórdão acabou por não delimitar.

O Conselho Superior da Magistratura (CSM) não comenta decisões jurisdicionais. Esta decisão foi tomada por dois magistrados e fundamentada e também não pode dizer se dará origem a procedimento disciplinar. O bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, refere que está dependente dos tribunais para comentar processos disciplinares desta natureza.

Breves passagens do acórdão do Tribunal da Relação do Porto que absolve arguido da violação

VIOLÊNCIA

“A violência exigida pelo artº 164 tem de traduzir-se na prática de actos de utilização de força física”

VONTADE

“O simples desrespeito pela vontade da ofendida não pode ser qualificado de violência”

SEXO ORAL

“Não se vislumbra como é possível considerar o acto de agarrar a cabeça como traduzindo o uso da violência de modo a constranger alguém à prática de um acto contra a sua vontade. A não ser que se admitisse que o mero acto de agarrar a cabeça provoca inevitável e automaticamente a abertura da boca”

EMPURRÃO

“Ora, os factos provados não permitem concluir que, ao empurrar a ofendida contra o sofá, o arguido visou coarctarlhe a possibilidade de resistência aos seus intentos ou se, com esse acto pretendeu apenas o arguido concretizar a cópula que, de outra forma não conseguiria, dado o avançado estado de gravidez da vítima – 34 semanas. Para que o empurrão na ofendida integrasse o conceito de violência, visado como elemento objectivo do crime de violação, teria de traduzir um ‘plus’ relativamente à força física normalmente utilizada na prática de um acto sexual”

CENSURABILIDADE

“Tudo o que foi dito não exclui, naturalmente, a censurabilidade da conduta do arguido em termos deontológicos, éticos e até sociais, Porém aqui e agora, só releva o juízo de censura penal que, em face da matéria de facto provada, não é passível de realização, sob pena de se por definitivamente em causa a fragmentaridade da tutela penal e, pior ainda, a sua necessidade”.

i | sexta-feira, 13 Maio 2011

Associação Sindical dos Juízes Portugueses
Fonte: Associação Sindical dos Juízes Portugueses
 
 
 
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