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Lei Maria da Penha não muda o panorama de impunidade
Publicada em 27-04-2009
Os números confirmam o que a sociedade já sabe há muito tempo sobre a violência doméstica: a cada 15 segundos uma mulher brasileira é espancada pelo parceiro, segundo levantamento da Fundação Perseu Abramo. E esta dolorosa estatística se reflete de novo nos números computados no 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Bahia, inaugurado em novembro de 2008, e que já recebeu 1.630 ações penais (516 delas ainda não cadastradas). “Cerca de 40% destas ações são novas e o restante migrou das varas criminais da Bahia”, explica a promotora Márcia Teixeira, coordenadora do Grupo de Apoio e Defesa da Mulher do Ministério Público (MP) baiano.
A promotora lembra, ainda, que o volume aumenta mensalmente, com os cerca de 100 inquéritos criminais enviados pelas delegacias da Polícia Civil. Encarregada de avaliar, analisar e decidir, a titular do juizado, Márcia Nunes Lisboa, estima que, das ações que tratam da violência doméstica em tramitação na Justiça comum, apenas um terço migrou para a unidade especializada. Neste tempo, a juíza proferiu sete sentenças condenatórias (0,4% das 1.630 ações recebidas) e decretou 180 medidas protetivas (11%).
A promotora Márcia Teixeira explica, entretanto, que o maior impedimento para que a lei seja plenamente aplicada é a falta de estrutura do juizado especializado, que conta com um número insuficiente de oficiais de Justiça e necessita da constante presença de apoio da Polícia Militar para aplicação das medidas protetivas, principalmente nos casos em que é determinado o afastamento do agressor do lar. O MP enviou comunicação das deficiências à juíza, que acredita numa solução breve para o problema por parte do Tribunal da Justiça da Bahia.
Novas demandas – O problema se agrava com a constatação de que muitos dos inquéritos que começaram em delegacias especiais para criança, adolescente e idoso também são contemplados por artigos da Lei Maria da Penha. “A idosa vítima da violência doméstica e os filhos do casal que presenciaram cenas de agressão precisam da proteção especial prevista pela lei”, diz a promotora Márcia Teixeira.
Ela lembra do caso em que decretou a prisão preventiva de um homem viciado em crack, que ameaçava a mulher e os filhos. “Quando a criança e o adolescente chegam à delegacia para narrar agressões, é preciso que o policial esteja preparado para fazer a triagem que o caso exige”, acrescenta a magistrada.
A juíza Márcia Nunes disse que é preciso lembrar que a Lei Maria da Penha revogou os dispositivos da Lei 9.099/95, que previa o pagamento de cestas básicas em caso de agressão à mulher: “É preciso mudar toda a mentalidade patriarcal que permitia ao homem lidar com a mulher e com os filhos como se fossem suas propriedades”.
A magistrada determinou quatro prisões preventivas na semana passada, “sendo que dois destes homens eram policiais militares. Um deles praticava agressão psicológica, ameaçando a vítima por telefone, outro foi preso depois de, no período de duração da medida protetiva, ter agredido fisicamente a ex-mulher”, salienta a juíza que, ao longo do último mês de fevereiro, recebeu das delegacias da Mulher (Engenho Velho de Brotas e Periperi) inquéritos de 28 prisões em flagrante – uma por dia.
Clichês – O perfil dos homens agressores não é apenas composto por desempregados, alcoólatras, drogados e pobres. “Nós recebemos processos que têm como réus juízes, advogados, delegados, médicos, engenheiros, além de outros profissionais de escolaridade superior. São homens que, ao serem punidos com a privação da liberdade, vão verificar que a realidade mudou”, alerta a juíza Márcia Nunes Lisboa. Ela frisa que álcool e drogas só potencializam a violência de gênero gerada no dia-a-dia pela predominância da crença numa sociedade patriarcal.
A juíza também desfaz o mito de que as mulheres desistem de prosseguir as ações, explicando que a Lei Maria da Penha acabou com a possibilidade de a vítima retirar a queixa na delegacia. Ela explica que existe a possibilidade da chamada “retratação” na audiência judicial, mas que apenas 2% das vítimas utilizam este recurso. “Apesar de elas virem de um ciclo de violência que, às vezes, dura muitos anos, é difícil dissociar que ela manteve uma relação de afeto com o agressor”, argumenta a magistrada.
Assistentes sociais – O apoio emocional fornecido pelas assistentes sociais da equipe do juizado é essencial. “Abaladas e atemorizadas, essas mulheres chegam até aqui cheias de vergonha, muitas vezes sem apoio da família. Nosso trabalho e das psicólogas é mostrar que elas não merecem passar por esta situação”, frisa a assistente social Lídia Lasserre. A equipe faz a triagem, acolhimento e esclarecimento. “É comum que, na segunda visita, elas voltem arrumadas e confiantes”, diz a profissional.
As mulheres também são encaminhadas para organizações da rede de mulheres, como o Centro Loreta Valadares, para atendimento pessoal. “Estabelecemos um vínculo de confiança e fazemos acompanhamento por telefone da aplicação das medidas protetivas”, acrescenta a assistente social Jaqueline Soares.
Fonte: http://www.atarde.com.br/cidades/noticia.jsf?id=1128000