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BRASÍLIA - Criada para atender vítimas de maus-tratos, a Central de Atendimento à Mulher da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), Disque 180, realizou, no primeiro semestre desse ano, 161.774 atendimentos. Um aumento de 32% em relação ao mesmo período do ano passado, quando foram registrados 122.222 atendimentos. Mais de 90% das ligações foram feitas por mulheres. Em números absolutos, o estado de São Paulo é o líder do ranking nacional, com um terço dos atendimentos (54.137), seguido pelo Rio de Janeiro, com 12,28% (19.867). Em terceiro está Minas Gerais, com 6,83% (11.056).
– Os números estão dentro da nossa expectativa – afirmou a ministra da SPM, Nilcéa Freire. – O aumento da demanda é proporcional ao crescimento da divulgação dos serviços e, consequentemente, de uma maior confiança da população de que o Estado tem um serviço para amparar as mulheres vitimizadas e punir os agressores.
Segundo a ministra, existem hoje, no Brasil, 132 centros de referência para prestar às mulheres vítimas de violência apoio jurídico, social, psicológico e pedagógico. Em 2004 havia apenas quatro. Nilcéa acredita que ainda é cedo para dizer se as agressões aumentaram ou se os números são consequência de uma conscientização de denunciar.
Quase metade dos atendimentos (47,97%) deve-se a busca de informações sobre a Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, criada para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, e que completa três anos de vigência em setembro. Entre os atendimentos, houve 17.231 relatos de violência. Desse total, 9.283 foram de violência física, 5.734 de violência psicológica, 1.446 de violência moral, 256 de violência sexual, 54 de cárcere privado, 17 de tráfico de mulheres e 60 de “outros motivos”. Cerca de 67% dos agressores eram os próprios companheiros.
A maioria das mulheres que procurou a central é negra (43,26%), tem entre 20 e 40 anos (66,97%) e é casada (55,55%). Um terço delas cursou até o ensino médio.
Quando a quantidade de atendimentos é analisada de acordo com a população feminina de cada estado, o Distrito Federal é a unidade da federação que mais procurou a Central, com 242,1 atendimentos para cada 50 mil mulheres. Seguido de São Paulo, com 129,6, e do Espírito Santo, com 123,3.
Para a professora da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ludmila Cavalcanti, o alto número de denúncias não reflete o aumento no número de agressões, mas o encorajamento das mulheres que começaram a denunciar e buscar ajuda para romper o ciclo da violência.
Vítima e ativista
É o caso de Iracema Souza dos Santos, 43 anos, violentada moral e fisicamente pelo marido durante 20 anos. No lançamento do Prêmio para Boas Práticas na Divulgação e Implementação da Lei Maria da Penha, nesta quinta-feira, em Brasília, ela contou como conseguiu pôr fim a uma relação regada a maus-tratos e se tornar uma ativista na luta pelo direito das mulheres.
– Nos primeiros anos de casamento meu marido me agredia com palavras e eu não sabia que isso era violência – contou a ativista – Mas a partir de 2001, depois que fui baleada durante um assalto, fiquei um ano na cama e mais três na cadeira de rodas. Pude ver o tanto que ele me amava, para não dizer o contrário.
Segundo Iracema, menos de seis meses depois do assalto que a deixou deficiente, ela foi abandonada com os cinco filhos pelo ex-marido. Ele voltou dois anos depois quando soube que ela havia conseguido uma casa em um dos programas habitacionais do governo federal e a aposentadoria. A partir daí, as agressões físicas se intensificaram. Em uma das ocasiões, o ex-marido sentou nos ferros que foram aplicados em sua perna para ajudar na colagem dos ossos, quebrados pelas balas. Em outro momento, ele tentou violentá-la sexualmente com as mãos.
– Eu o aceitei de volta porque era o pai dos meus filhos e eu achava que ele ia mudar – contou Iracema. – Mas tudo ficou pior. Chamei a polícia várias vezes, mas eles não acreditavam em mim.
Iracema só conseguiu romper o ciclo de violência que sofria em 2006 quando colocou o marido para fora de casa. Em 2007, fundou, em Salvador, a organização não-governamental Feliz Cidade, que apoia mulheres vítimas da violência.
– Hoje sou uma pessoa feliz, faço meu trabalho, meus filhos tiveram alta da psicóloga e tenho até um namorado – conta Iracema.
Apesar da afirmativa, as sequelas são notáveis. Questionada se vai casar novamente, responde sem hesitar: