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Autoras: Cecília Sardenberg e Márcia Gomes, coordenadoras do Observatório de Monitoramento da Implementação da Lei Maria da Penha
Publicado na versão impressa do Jornal do Brasil - 07/08/2009
A Lei Maria da Penha (11.340/2006) completa, no próximo mês, três anos de vigência. Conquistada por meio de pressões e ações do movimento de mulheres e feministas junto ao Congresso Nacional, representa um marco histórico no longo processo de lutas das mulheres pelo reconhecimento público da violência contra a mulher como uma violação dos direitos humanos e um problema social, político e jurídico no país.
Formulada com a finalidade de criar “mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher”, essa lei incorpora, além de medidas punitivas aos agressores, medidas de proteção à integridade física e assistência integral à mulher em situação de violência doméstica e familiar através de uma rede de atendimento jurídico, social e psicológico e, ainda, medidas de prevenção e de educação, a fim de combater a reprodução social do comportamento de violência baseado no gênero.
No intuito de acompanhar e fortalecer o processo de implementação da referida Lei, a Secretaria Especial de Políticas para Mulheres da Presidência da República selecionou um Consórcio para criação de um Observatório para Monitoramento da Lei Maria da Penha. O consórcio é formado por nove organizações não-governamentais e núcleos universitários de pesquisa, além da colaboração de três redes feministas, atuantes em todas as regiões do país.
O Observatório vem acompanhando o processo de implementação da Lei Maria da Penha por meio de coleta, análise e divulgação de dados fundamentais para o acompanhamento e controle social dessa política pública para subsidiar o movimento de mulheres e feministas e as instituições públicas responsáveis pela promoção de estratégias de enfrentamento da violência doméstica e familiar contra as mulheres.
Apesar dessa legislação ter sido rapidamente difundida e bem aceita pela população, os primeiros dados da pesquisa que vem sendo realizada pelo Observatório - junto às Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher - DEAMs -, e Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, em cinco capitais, Salvador, Belém, Brasília, Rio de Janeiro e Porto Alegre - revelam alguns problemas que vêm dificultando a implementação e aplicação da lei.
Ainda que o número de DEAMs venha crescendo – hoje são 396 unidades – estamos muito longe de atender à demanda. Ademais, a distribuição das delegacias existentes continua sendo muito desigual entre as regiões. Como consequência, há uma sobrecarga de trabalho, tornando moroso o andamento dos inquéritos. Ressalta-se ainda que muitas dessas instituições não dispõem das condições necessárias para o cumprimento efetivo da lei, tanto no que se refere às condições físicas e materiais e, especialmente, quanto ao contingente de pessoal disponível e capacitado. Com efeito, verificamos que a oferta de cursos de capacitação, elemento fundamental para a boa aplicação da lei, tem sido baixa ou inexistente, sobretudo no que se refere aos procedimentos que a nova legislação exige.
Um dos problemas mais sérios a ser enfrentado, entretanto, é a inexistência de Juizados Especializados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, instância imprescindível para a efetiva aplicação da lei em muitas regiões do país. Hoje são apenas 63 juizados ou varas. O juizado possibilita um mecanismo de monitoramento da aplicação da lei no campo da segurança pública e no setor de Justiça.
Sem o Juizado não há como rastrear as denúncias feitas na delegacia e expedidas para a Justiça. A ausência também impede o acesso a informações absolutamente pertinentes para o monitoramento da Lei 11.340/2006, tais como: o que acontece com esses processos judiciais? Em quanto tempo tem sua decisão? Que tipo de decisões são tomadas? Quantos processos seguem seu curso até o final? Quantos processos enquadrados na LMP estão em andamento?
Apesar da sua importância, essa lei ainda continua sob ameaça, a exemplo das demandas de inconstitucionalidade, bem com as propostas de mudanças no Código de Processo Penal, ora em discussão, que podem inviabilizar a aplicação da Lei.
Nesse sentido, se faz necessário persistir em um trabalho de reconhecimento da violência contra a mulher como crime, uma violação de direitos humanos que demanda um posicionamento do Estado, que não seja a de conivência ou negligência, através da impunidade.